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Espaço compasso #1

Guest Post com: Miguel Cruz

Cá dentro:

Numa altura em que se espera a chegada do Outono, Setembro impressiona-nos com o florescer da música portuguesa. Por onde começar?

Pode ser pelos Brass Wires Orchestra, uma banda que eu vi nascer em 2011 num flash repentino que não parou de crescer durante os meses que se seguiram. Eu já acompanhava o projecto a solo do Miguel da Bernarda, o vocalista principal da banda. Foi ele que se atirou de cabeça e juntou um grupo de amigos para tocar canções do estilo folk de outras bandas (como Beirut ou Mumfords & Sons). De repente, tinham já uma canção original, a Wash My Soul, a ser enviada para concursos e a vencer o Hard Rock Rising, que os levou ao Hard Rock Calling 2012, em plena cidade de Londres: apenas um ano depois da sua formação. Fiquei a assistir, de olhos esbugalhados, ao vertiginoso sucesso das suas canções, espalhado por festivais como o Paredes de Coura e o NOS Alive. Em 2014 lançaram o seu primeiro álbum, Cornerstone, sempre fiel ao seu estilo folk rock.

Isto tudo para situar o fenómeno que foi o aparecimento dos BWO, que voltam agora com o álbum Icarus, promovido pelo single Youth, que mostra novas sonoridades electrónicas, desconhecidas no álbum anterior, mas cuja essência folk se mantém muito vincada. Trata-se de uma reflexão sobre os jovens que marcam esta geração, muito agarrados ao vazio virtual, deixando fugir aquela que é para muita gente a melhor fase da vida: a juventude.



Na mesma onda, surge-nos MONDAY, o novo projecto de Catarina Falcão, membro das belíssimas Golden Slumbers, banda que integra juntamente com a sua irmã Margarida Falcão. Neste projecto, explora sonoridades que não existiam em Golden Slumbers. As duas canções lançadas até agora, Yo-yo e 30 Years, são ricas em instrumentais de fortes e vincados ritmos e diversificados instrumentos. Associo muito estas sonoridades às presentes em algumas canções do álbum Seasons - Rising : Falling do David Fonseca, por exemplo. Mas trazem uma nova frescura devido à inocência provocadora da voz de Catarina.

Há todo um mundo à parte dentro do universo musical português. O chamado hip-hop tuga é uma família enorme que se apoia mutuamente. Dá mesmo gozo assistir a toda esta entre-ajuda que existe entre os artistas para todos chegarem mais longe e como o seu público se sente facilmente inserido nessa família. No entanto, uma das coisas que sinto mais neste tipo de famílias (não é só na do hip-hop tuga) é que se costumam fechar muito dentro de si próprias. 
Salvo raras excepções, não é fácil abrirem horizontes para outros estilos e artistas de qualidade que existem. Julgo que é uma mais valia experimentar misturas que, se calhar, nada têm a ver a nível musical, mas que até têm mensagens ou ideais semelhantes. E, se calhar, a mistura desses estilos resulta em algo completamente novo e que soa lindamente. O João Tamura — que conheci há uns anos através de uma partilha do meu amigo Factor (um dos membros dos GROGNation) de uma canção pertencente a um dos seus primeiros projectos musicais — integra-se no panorama do hip-hop tuga, é acolhido na tal família, no entanto, explora sonoridades que julgo que não existiam antes, pelo menos em Portugal. A canção Dizer Adeus que fiz com ele é uma mistura do meu estilo acústico com o rap característico dele e fez nascer uma nova sonoridade. Ele falou, entre outras coisas, das dificuldades que se sentem a viver o dia-a-dia destes dias e do desprezo que o mundo tem pelo esforço de sobreviver. Eu falei da fraqueza do amor num mundo dominado pelo ódio e na atracção que sentimos por coisas que nos levam para vazios. Ambas as mensagens completam-se numa, em estilos de canto totalmente diferentes.



Apesar do meu reparo anterior sobre o fechamento do hip-hop tuga sobre si próprio, não posso deixar de referir as felizes inovações que têm acontecido nas suas sonoridades. Slow J foi, para mim, um dos rappers que mais se destacou no hip-hop tuga dos últimos anos. Criou um estilo próprio: ele próprio é um género musical que antes não existia e isso é muito, mas muito difícil de atingir. Também neste mês lançou o videoclip da sua canção com Holly, um DJ que já está a dar muito que falar nos últimos tempos e que tenho acompanhado, muito por causa dos seus projectos com o João Tamura. Juntaram-se na canção Fome, presente no álbum The Art Of Slowing Down de Slow J que foi lançado em Março deste ano.

Também NERVE é um rapper que considero ter um estilo muito próprio, com uma lírica que funciona de forma espantosa e que é impossível de reproduzir. Lançou neste mês a faixa Diz, um poema fortíssimo sobre um fim de amor arrependido, que provou mais uma vez a sua extrema qualidade da sua escrita e “leitura”. A faixa foi removida do YouTube por motivos pessoais, mas ficaram as suas palavras a ecoar nos ouvidos dos seus apoiantes.
É impossível referir aqui todo o trabalho que tem sido feito no hip-hop nacional nos últimos tempos e muito menos na música portuguesa em geral. Deixei só um cheirinho do que tenho acompanhado mais neste mês. No entanto, vou tentando, mês a mês, cimentar neste espaço o meu apoio incondicional pelo que é feito no nosso país, seja na nossa língua ou não. Porque a verdadeira música tem só uma língua e é universal: o sentimento.

Lá fora:

Esta é uma secção impossível de preencher sem que falte alguma coisa para dizer, por isso, deixo apenas alguns destaques do que tenho visto lá de fora neste mês. Moses Sumney é um artista a florescer com sonoridades reconfortantes e desconfortantes ao mesmo tempo. Embala e incomoda num conjunto de melodias que formam canções apaixonantes e que é impossível ouvir apenas uma vez. Nos últimos dias tem feito upload dos seus videoclips, cada um mais hipnotizante que o anterior. Vou escolher um que mostra um pouco do que ele é, mas recomendo vivamente a navegar com mais profundidade pelo resto.



Os Radiohead são provavelmente das bandas que mais me fascinam no seu trabalho artístico e nos mistérios que expõem para serem desvendados (ou não). A quantidade de easter eggs presentes nos seus discos físicos, letras, canções ou vídeos desde o seu início é fascinante. Este mês deixaram-nos com mais uns no seu novo vídeo para a canção Lift. Porque uma viagem de elevador para os Radiohead não pode ser normal, criaram todo um universo que talvez represente um pouco destes 20 anos desde o lançamento do seu álbum OK Computer. Talvez não. Mas é um vídeo espectacular que suscita todo o tipo de interpretações possível.



The Tallest Man On Earth é um artista que eu considero ser um pedaço puro de Natureza nas suas letras e melodias. Camufla-se em todo o tipo de paisagens naturais e oferece-nos um sentimento muito parecido ao que sentimos quando estamos no meio de uma floresta, ou de um rio, ou de uma montanha, rodeados dos animais de cada um desses sítios. Comprou uma câmera de propósito para filmar animais, principalmente pássaros, e acabou a fazer uma série de vídeos chamada The Light In Demos em que canta uma canção diferente em cada episódio alternada com imagens maravilhosas que capta com a sua câmera. Este mês lançou o quarto episódio que, tal como os anteriores, nos apazigua a alma.



Fico-me por aqui, para não vos cansar, embora com um nó no estômago por não me permitir continuar este relato da minha incansável viagem pelo que é o mundo da música. Convido-vos a espreitar a playlist deste mês, que conta com canções dos artistas de que falei e outras novidades de Setembro que valem a pena ouvir.



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