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Mil Vezes Adeus


A Culpa é das Estrelas tinha sido o último livro que tinha lido do autor e passaram-se praticamente seis anos desde essa leitura. Recordo-me de ter ficado com uma boa impressão daquela que era a capacidade do John Green em abordar assuntos menos leves de uma forma agradável, criando proximidade com o potencial público-alvo dos livros YA.

Mil Vezes Adeus acaba por se revelar uma boa leitura por seguir a mesma fórmula d’ A Culpa é das Estrelas, mas abordando uma temática diferente.


Aza tem 16 anos e vive no estado de Indiana com a sua mãe. Um dia, ela e a amiga Daisy decidem investigar o desaparecimento de um milionário para, juntas, ganharem a recompensa (se o seu contributo para o caso fosse relevante). Apesar de ser uma adolescente com uma vida aparentemente normal, a história é alimentada essencialmente pela própria complexidade da sua mente.

No livro, temos acesso a vários momentos em que estamos a ler exatamente os pensamentos que Aza está a ter enquanto a ação se vai desenrolando. Seria impossível saber o que ela está a perder à sua volta, mesmo que assim o desejássemos, pois estamos com ela, dentro da sua espiral de pensamentos. Este aspeto é muito importante e foi muito bem conseguido pelo autor porque ficamos a conhecer melhor a forma como o transtorno afeta o dia-a-dia das pessoas que vivem com ele. Com uma história muito linear e, de certa forma, simples no que diz respeito aos restantes personagens; Aza é, sem dúvida, A personagem do livro.
     
“Há esperança, mesmo quando o cérebro nos diz que não há.”
  
TOC é um pouco mais complexo do que aparenta. A questão do transtorno vai muito para além de “ter mania” de fazer determinada coisa de uma maneira específica e John Green soube como tornar a abordagem deste assunto real e sem qualquer romantização de YA. 

O escritor transformou a sua própria experiência numa história capaz de refletir o preconceito e ignorância que ainda existem relativamente às doenças e transtornos mentais. E, no final do livro, deixa uma mensagem de que o caminho pode ser longo, mas a saúde mental, tal como a física, consegue-se procurando o tratamento e ajuda necessários.


   
As personagens
  
É verdade que não ficamos a conhecer muito das personagens ao longo do livro, porque a própria narrativa não está construída com esse propósito. O que é mais importante reter delas é a forma como encaram e reagem aos momentos mais difíceis do quotidiano da Aza, desde a mãe-galinha, até à melhor amiga que escreve fun fiction utilizando algumas das suas frustrações na amizade como inspiração.
  
Turtles All the Way Down, matrioskas e espirais
  
Sem ler o livro, o título e a sinopse não têm qualquer ligação aparente. Mas existe uma explicação, e ela é dada pelo meio da história, pelas palavras de Daisy.

Numa palestra sobre astronomia, um cientista explicava a origem do planeta e a sua história evolutiva. No momento dedicado às perguntas do público que assistia, uma senhora afirmou que tudo o que tinha sido dito estava errado e que na verdade a Terra era plana e que era suportada pela carapaça de uma tartaruga gigante.

Curioso com toda aquela teoria ele perguntou-lhe: “Bem, mas se é assim, em que é que a tartaruga gigante está pousada?” ao que ela respondeu “Está pousada em cima da carapaça de outra tartaruga gigante”. Indignado o cientista volta a questionar sob o que é que essa outra tartaruga estava pousada e a senhora de idade responde “Meu senhor, não está a compreender. São tartarugas até ao infinito”.

“- São mesmo tartarugas até ao infinito, Holmesy. Tu estás a tentar encontrar a tartaruga no fundo do monte de tartarugas, mas não é assim que funciona.”


Esta história contada pela melhor amiga de Aza é um paralelismo ao conceito de Regressão Infinita que assenta na suposta cadeia de causalidade em que algo (ou a causa da sua existência) requer a existência de outro evento igual antes de si, funcionando como um ciclo infinito de eventos com a mesma causa-efeito.

As matrioskas também vão sendo referenciadas pela Aza como forma de explicar a sua sensação de impotência perante a vida, quem é, o que pensa e o que faz. Sucessivas bonecas ocas que se vão abrindo tendo sempre outras no seu interior e a sua maior dificuldade é mesmo chegar à boneca que não é oca, aquela que acredita ser sólida e consistente.

Todas estas referências e metáforas são importantes e mostram que, com ou sem TOC, somos feitos de múltiplas camadas, fases e patamares e que (no caso das tartarugas) está tudo bem em não encontrarmos a origem. 


Editora: Edições Asa
Nº de páginas: 368

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